Boas razões para deixar o glúten: entenda por que a proteína adesiva faz mal

Boas razões para deixar o glúten: entenda por que a proteína adesiva faz mal

Por Denise Maria Bezerra, jornalista, pianista, especialista em Educação Musical, Psicopedagogia Clínica e Psicologia Transpessoal.
Escreve sobre comportamento, música e qualidade de vida. Coordenadora do Centro Vida Orgânica

A proteína do trigo, o cereal que foi a base da alimentação do povo europeu por séculos e que hoje está presente em quase todo o alimento produzido pela indústria, tornou-se foco de pesquisas que investigam a causa de uma série de doenças. O glúten também é encontrado na cevada, na aveia, no centeio e no triticale. Estudos recentíssimos têm mostrado que a sensibilidade ao glúten é a causa de grande parte dos distúrbios mais frequentes na população mundial, entre eles a dor de cabeça, a indisposição intestinal (diarreias, cólicas e constipação), as doenças de pele, a intolerância à lactose, sem contar os distúrbios neurológicos como a ataxia, o TDAH, a Síndrome de Tourette, e a esclerose lateral amiotrófica (ALS). Ser sensível ao glúten não significa ser portador da doença celíaca – que é a manifestação extrema da sensibilidade ao glúten -, o que aumenta consideravelmente o espectro de indivíduos suscetíveis ao problema. Pessoas que já fizeram o exame e constataram não ter a doença celíaca podem ser sensíveis ao glúten numa proporção bem menor e estar sofrendo com os sintomas. Em suma, todos nós podemos ter algum tipo de sensibilidade o glúten. Então, como o glúten atua no organismo?

Glúten em latim: cola. O glúten é chamado de “proteína adesiva” porque atua como elemento aglutinante na farinha de trigo, fazendo “dar liga” à massa. O glúten é uma molécula composta, formada por dois grupos de proteínas: as gluteninas e a gliadinas. A gliadina consiste em doze diferentes subtipos, e cada um deles pode provocar uma reação de intolerância que leva a um processo inflamatório. A característica “colante” do glúten interfere na quebra e na absorção dos nutrientes no intestino, deixando um resíduo pastoso que desperta o sistema imunológico a entrar em ação e resulta num ataque ao revestimento do intestino delgado. Daí vem as dores abdominais, diarreia, náusea, indisposição, prisão de ventre.

Mas o mais surpreendente é que o processo inflamatório causado pelo glúten pode ocorrer em qualquer órgão do corpo quando a pessoa é sensível à proteína, inclusive o cérebro. De acordo com o um dos mais respeitados pesquisadores na área do cérebro e sensibilidade ao glúten, o professor inglês Marios Hadjivassiliou (Royal Hallamshire Hospital), “a sensibilidade ao glúten pode ser primordialmente, e às vezes exclusivamente, uma doença neurológica”, ou seja, uma pessoa pode ter problemas nas funções cerebrais ser ter nenhum tipo de problema gastrintestinal. Por esse motivo, pesquisas mostram que pessoas erroneamente diagnosticadas com esclerose lateral amiotrófica (ALS), simplesmente são sensíveis ao glúten, e que ao eliminá-lo da dieta eliminaram também os sintomas.

TDAH e Autismo

O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é um diagnóstico frequente nos consultórios pediátricos. O uso da Ritalina como tratamento do TDAH tem sido foco de intensas discussões entre educadores, psicopedagogos, psicólogos e médicos, devido aos riscos a médio e logo prazo que essa substância pode causar. Observando-se a particularidade de cada caso, o fato é que, antes de adotar um tratamento com uma medicação poderosa cujas consequências de longo prazo ainda não foram estudadas e que podem viciar, provocar ansiedade e ocasionalmente psicose, é importante considerar a possibilidade da sensibilidade ao glúten, adotando uma dieta isenta desse ingrediente. Relato aqui o caso de um paciente com o diagnóstico de TDAH, levado ao consultório do neurologista Dr. David Perlmutter:

“O menino Stuart acabou de completar quatro anos e foi levado ao consultório pela mãe a pedido do professor da pré-escola, com a queixa de ser muito ativo e apresentar excessiva inquietação. Uma semana antes, o pediatra da família havia diagnosticado TDAH em Stuart, e receitou Ritalina. A mãe, temerosa, resolveu ouvir uma segunda opinião. Resumindo, o segundo médico observou no histórico e exame clínico de Stuart três coisas importantes: respirava pela boca (indicativo de inflamação nas fossas nasais); apresentava olheiras de rinite; não conseguia ficar mais de 10 segundos sentado na cadeira. O médico pediu um simples teste de sensibilidade ao glúten, que mede o nível de anticorpos contra a gliadina, e que acusou 300% acima no normal. Ao invés de ministrar um medicamento, o neurologista decidiu tratar a causa dos problemas do menino, ou seja, a inflamação, que causava dores nas articulações, otites e incapacidade de se concentrar. Com a retirada total do glúten da dieta, Stuart apresentou uma melhora quase que imediata na saúde geral e comportamento de Stuart. Dois anos e meio depois, o médico recebeu da mãe um bilhete dizendo: ‘Ele entrou no ensino básico como o aluno mais novo da classe. Tem brilhado tanto em leitura quanto em matemática e não prevemos mais nenhum problema em relação à hiperatividade. Ele está crescendo tão rápido, que é um dos garotos mais altos da turma’.”

No caso do autismo, o assunto ainda está em debate, mas já se sabe que alguns pacientes autistas reagem positivamente à retirada do glúten, da caseína (proteína do leite) e do açúcar branco. Um estudo britânico publicado em 1999 monitorou 22 crianças autistas com dieta sem glúten durante cinco meses, e ocorreram algumas melhoras comportamentais. No entanto, ao ingerir o glúten acidentalmente, a velocidade com que o antigo comportamento retornou foi dramática. Constatou-se ainda que foram necessários pelo menos três meses para que a melhora no comportamento ficasse evidente com a dieta. Tal fator prejudica o tratamento, pois os pais desistem de continuar exatamente porque a criança autista possui como característica a rigidez quanto às mudanças no cardápio, o que pode se tornar um motivo de estresse na família. Todavia, vale a pena insistir.

O massacre da indústria “alimentícia”

A indústria mundial que produz alimentos repletos não só de glúten, como de corantes sintéticos, glutamato monossódico, ingredientes modificados geneticamente, açúcares refinados, conservantes et cetera, com cada vez mais raras exceções, produz comida para vender e não para nutrir. O grão do trigo consumido hoje possui 40 vezes mais glúten do que há algumas décadas atrás, graças às seleções e modificações genéticas. A menos que seja orgânico, é cultivado com um bombardeio de agrotóxicos. Além disso, o glúten provoca aquela deliciosa sensação de bem estar pela ação dos polipeptídeos (com a decomposição do glúten no estômago, denominados exorfinas), portanto, quanto mais se come glúten, maior a vontade de comer. Funciona assim: a digestão gera componentes similares à morfina, que aderem aos receptores opiáceos do cérebro. Isso induz uma forma de recompensa, uma euforia moderada. Quando esse efeito é bloqueado e não se consomem alimentos liberadores de exorfina, algumas pessoas sofrem de uma abstinência perceptível e desagradável.

Ora, sendo o glúten 40 vezes mais potente como um estimulante que leva a consumir ainda mais glúten, a população vai mergulhando quase que cegamente nos biscoitos, sanduíches, pizzas, satisfazendo seu vício. Fica fácil entender também por que a epidemia de obesidade e diabetes vem aumentando e fazendo prosperar as indústrias farmacêutica e alimentícia, pouco interessadas em perder esse filão.

Referências:
1. Ver artigo publicado no Journal of Neurology, Neurosurgery and Psychiatry, intitulado “Gluten Snsitivity as a Neurological Illness”, 2002 [A sensibilidade ao glúten como doença neurológica].
2. PERLMUTTER, David. Grain Brain: The Surprising Truth about Wheat, Carbs, and Sugar–Your Brain’s Silent Killers. New York: Hardcover, 2013.
3. www.celiaccenter.org . Acesso em 10/10/2015.
4. Ver artigo “A.D.H.D. Seen in 11% of U.S. Children as Diagnoses Rise”, 2013, disponível em www.nytimes.com/2013/04/01/health/more-diagnoses-of-hyperactivity-causing-concern.html?_r=0 Acesso em 10/10/2015.
5. Ver P. Whiteley et al., “A Gluten-free Diet as a intervention for Autism and Associated Spectrum disorders: Preliminay Findings”. Autism, v. 3, n.1, p. 45-65.
6. Ver William Davis, Wheat Belly. New York: Rodale, 2011 [Ed. bras.: Barriga de trigo. São Paulo: Martins Fontes, 2013].

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